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25/07/2019

Escândalo burocrático

Relatório do TCU não traz nada além do que várias instituições privadas têm repetido ao longo dos últimos anos.

É surpreendente a clareza e a dureza com que o TCU reconheceu inúmeras situações de calamidade na Administração Pública federal, ainda que a comunicação do fato use os eufemismos de sempre, falando em entraves burocráticos que afetam negócios, competitividade e desenvolvimento econômico.

Trata-se da aprovação em 5 de junho de relatório sobre fiscalização relativa aos anos de 2017-18 que utilizou como referência o estudo do Banco Mundial chamado de “Doing Business” que analisa e compara 190 economias quanto à regulação aplicada às empresas (Acórdão 1263, Plenário).

Depois de citar dados de estudo sobre o impacto da burocracia no PIB, no sentido de que ela pode custar aos brasileiros algo em torno de R$ 162 bilhões por ano, ou 60% mais do que a economia gerada pela proposta de Reforma da Previdência, e as péssimas colocações brasileiras em diversos rankings de competitividade, o relatório enfatiza que o atual cenário de restrições orçamentárias e baixo investimento reforça a importância de diminuir o excesso burocrático para favorecer o ambiente de negócios e incrementar a produtividade e a eficiência das empresas.

No fundo, o relatório não traz nada além do que várias instituições privadas têm repetido ao longo dos últimos anos. A novidade é isso ser afirmado pelo TCU, tornando difícil aos envolvidos utilizarem as tergiversações de sempre.

O que se chama de primeiro achado afirma que há falta de transparência, organização e padronização das exigências por parte dos órgãos da administração pública, ocasionando insegurança jurídica e aumentando os custos das empresas.

Diz que nem mesmo está sendo cumprido o Código Tributário Nacional que exige a consolidação pela união, Estados, DF e municípios da legislação vigente em relação a cada tributo. Apenas os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro cumprem a determinação. Sem contar as taxas, são 57 tributos, com mais de 377 mil normas tributárias editadas desde 1988. É uma balbúrdia.

Um dos resultados disso é a dificuldade de interpretação com a finalidade de aplicar as regras. Os processos administrativos fiscais, incluindo o CARF, somam 373 mil, envolvendo valor da ordem de R$ 708 bilhões, ou 70% da economia que se pretende gerar com a Nova Previdência em 10 anos.

Nem mesmo há clareza sobre os prazos que o contribuinte deve esperar para ser atendido pelo fisco. Um mesmo serviço varia entre 6 meses e 5 anos, dependendo da fonte da informação.

Há também a indicação de várias exigências desarrazoadas para acesso ao Sistema Nacional de Crédito Rural e a recursos de fundos constitucionais. Falta transparência e há indícios de que a situação enseja oferecimento de produtos do agente financeiro, configurando venda casada e conflito de interesses.

No caso do eSocial, falando de exigências descabidas, sucessivas e intempestivas, o TCU registra que em 16 meses foram publicadas 6 versões de leiautes do sistema, levando a que somente 70% das empresas da primeira fase tivessem condição de atender às inovações.

Um dos pontos do relatório registra exigências excessivas da Anvisa relacionadas à produção de origem vegetal que vêm afetando negativamente a agricultura familiar, incapaz de cumprir todos os requisitos.

Trata-se, portanto, de grave deficiência na elaboração de normas e na imposição de obrigações estatais. Afirma-se que é preciso que os órgãos “tenham consciência do impacto de suas regulações, seu custo, quais são os beneficiados e os prejudicados, com identificação do seu potencial cenário após a sua edição”. Isso é música para os que defendem a MP da Liberdade Econômica que impõe a necessidade de análise de impacto regulatório para aferir se há razoabilidade no que se pretende.

O TCU ainda registra casos de falhas de articulação e compartilhamento de dados entre órgãos ocasionando para as empresas retrabalho e redundância de exigências, atos contrários ao regramento em vigor que causam aumento do custo e do tempo para a prestação dos serviços públicos.

Há ausência de critérios claros e objetivos para orientar a fiscalização pública e a análise de solicitações referentes a serviços, licenças e autorizações, aumentando o risco de atuação discricionária dos agentes envolvidos e a insegurança jurídica, sem falar na corrupção.

Também há descumprimento de prazos legais para conclusão dos serviços. A legislação estipula, por exemplo, o prazo máximo de 365 dias para o registro de medicamentos genéricos e similares, mas o prazo médio tem sido de 3,8 anos, quase 4 vezes mais.

No setor de portos, importar um contêiner no Brasil custa, em média, US$ 969, enquanto no Chile representa menos do que 30% disso.

Não há mecanismo de avaliação qualitativa dos serviços prestados aos usuários, em flagrante desrespeito à Lei 13.460, de 2017, conhecida como Código de Defesa do Usuário de Serviços Público, ou canais para o setor produtivo registrar suas demandas e contribuir para o seu aprimoramento. Ocorrem fragilidades no tratamento de denúncias, reclamações, defesas e sugestões.

Além de outras recomendações, o TCU orientou à Casa Civil que sejam promovidos estudos para estabelecer um canal permanente de comunicação entre sociedade e governo, a exemplo do Business Fórum da Dinamarca, com a finalidade de diminuir a burocracia. Ele permitiria ao setor produtivo registrar suas demandas, com o estabelecimento de prazos para resposta e implementação das ações.

Apesar de preferir a figura do ombudsman, verdadeiro representante empoderado da sociedade, muito mais simples e ao que parece efetiva, não se pode deixar de elogiar o trabalho desenvolvido pelo TCU que fortalece a agenda de desburocratização que vem sendo tocada de forma eficiente pelo Ministério da Economia.

Deve inspirar outros órgãos de controle regionais a seguir pelo mesmo caminho, pois tanto estados como municípios têm um deficit de racionalização enorme, talvez ainda maior que os outros que assolam os entes federados.

No Rio de Janeiro, por exemplo, foi aprovado projeto que exige habilitação específica por CNH ou prova no Detran para os usuários de patinetes elétricos, além de obrigar as empresas responsáveis a exigir um cheque-caução de R$ 1,7 mil para cobrir possíveis acidentes daqueles sem a comprovação de seguro. Outro projeto aprovado, na linha da ânsia regulatória, exige o uso de placa que identifique o patinete e o condutor.

No primeiro caso, o autor pressionado pela rejeição da sociedade pediu ao Governador que vetasse o projeto, em uma rara demonstração de reconhecimento do próprio erro.

O outro ainda transita no limbo existente entre o escândalo e a piada, próprio do conjunto insano da burocracia brasileira.

 


Fonte: Diario do Comercio

Por: José Constantino de Bastos Júnior

*As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio